Redução dos casos ao longo das últimas décadas faz pessoas negligenciarem moléstias graves e riscos de novos surtos; casos de sarampo são apenas um dos exemplos
Por Gabriela Cupani, da Agência Einstein
O esforço de quase 50 anos para ampliar a cobertura vacinal no Brasil e erradicar doenças vem enfrentando grande resistência. Depois de décadas atingindo coberturas de quase 100% de vacinação, nos últimos dez anos essa taxa vem caindo de forma preocupante, o que reacende o risco de surtos de doenças que não eram registradas há anos, como ocorreu com o sarampo, e de outras mais comuns mas que não precisariam ameaçar a vida de crianças, como meningite.
Não à toa o Ministério da Saúde acaba de lançar a campanha “Vacina Mais”, como forma de incentivo à vacinação, na tentativa de reverter essa queda. O objetivo é combater as notícias falsas e reforçar a segurança e eficácia das vacinas.
Isso porque para permanecer com as doenças sob controle é preciso manter uma taxa de vacinação muito alta, às vezes de mais de 95% da população, para que haja pouquíssimos indivíduos suscetíveis. Para se ter uma ideia da queda, a cobertura do sarampo caiu de 100% em 2014 para 79% em 2020, o que é considerado muito baixo pelos especialistas. Tanto que logo após conseguirmos o certificado de erradicação da doença, em 2016, registramos mais de dez mil casos em 2018 – o que levou à perda do certificado no ano seguinte. Em 2021, foram mais de dois mil doentes e duas mortes.
O sarampo é uma infecção viral extremamente contagiosa – estima-se que uma pessoa contaminada espalhe a doença para pelo menos 18 a 20 pessoas. E entre elas pode haver gente com mais risco de complicações e mortes que nem sequer podem receber a vacina, como os bebês pequenos.
A situação da cobertura da pólio é ainda pior: no ano passado não chegou a 70%. Como esse vírus circula em outros países, pode ser questão de tempo para um novo caso aparecer por aqui. Depois do último registro da doença em 1989, ninguém imaginaria voltar a ver uma criança em cadeira de rodas ou num ‘pulmão de aço’ por conta desse vírus.
Vítimas do sucesso
De certa forma, as vacinas estão sendo vítimas do próprio sucesso. “Desde que foi implementado, em 1973, o programa nacional de imunização é um dos melhores do mundo, é uma das ilhas de excelência do SUS”, enfatiza o infectologista Alfredo Elias Gilio, coordenador da Clínica de Imunizações do Hospital Israelita Albert Einstein. Por ano, disponibiliza mais de 300 milhões de vacinas contra mais de 30 doenças.
Em quase cinco décadas, o programa foi atualizado e ampliado, além de contar com várias campanhas, o que nos deixou em situação confortável em relação a várias moléstias infecciosas. Tão confortável que as pessoas passaram a negligenciar doenças que não chegaram a conhecer. “A principal razão da queda da vacinação é a não percepção da gravidade da doença”, diz Gilio. “Os adultos de hoje não conviveram com essas doenças, não viram mortes por sarampo, por exemplo. Subestimam esse risco.”
E isso leva a outro problema: muitos acabam superestimando a chance de efeitos adversos das vacinas que, vale lembrar, são raríssimos e muito mais fáceis de controlar do que as consequências de uma doença potencialmente grave e fatal. “Recentemente também vemos o crescimento dos movimentos antivacinas, que foram tomados pela politização”, observa o especialista.
Além disso, em determinados locais, há problemas de logística e de acesso a postos de saúde, seja por distância, horários, entre outros, e falta de capacitação de alguns profissionais que, às vezes, não dão a orientação mais correta.
O resultado é que, com essa soma de fatores, a dose não chega ao braço de quem precisa – normalmente crianças que nem imaginam poder enfrentar doenças que eram uma triste realidade no tempo dos avós, meio século atrás.
Fonte: Agência Einstein
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